Fotografado no último sábado no Fluviário de Mora:
Monogâmico: relativo à condição na qual um macho e uma fêmea estabelecem uma relação de acasalamento mais ou menos exclusiva.
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A fonte é uma abundante colecção de apontamentos do seu amigo de juventude Johann Wilhelm Peterse.
Parece que "alguns dos seus conhecidos foram testemunhas, de que durante suas quecas, rugindo e esperneando, não tomaria menos de 25 doses de rapé"
mas isto é apenas um fait-divers, uma cusquice, talvez grosseira, dos seus tempos de juventude e de médico-soldado, e das suas quecas mágicas, muitas vezes em grupo.
Prefiro chamar a atenção para o seguinte:
"(Schiller) via-se como cidadão do mundo, servo de nenhum senhor. durante muito tempo quis não se ligar a nenhuma mulher em especial, mas por fim apaixonou-se por duas irmãs. Ter-se-ia casado com as duas, mas teve de se decidir por uma delas"
Nomeadamente: "Dia 15 de Novembro de 1789, pela tarde, Schiller sentou-se à secretária e fez o impossível: Declarou às duas jovens, na mesma carta, o seu amor por ambas. Era do seu conhecimento, há bastante tempo, que ambas estavam apaixonadas e queriam viver com ele - Como tudo seria posto em prática, não é claro até à data."
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é homem quem nasceu com corpo de homem, ou que se afirma sentir como homem?
é lésbica a mulher celibatária que o afirma ser ou apenas a que o visivelmente e omnivoramente demonstra na prática? hormonas? cirurgia? sim? não? who cares?
costuma haver então o tema recorrente da auto-definição, ou da definição pela prática. Ambas correntes costumam gerar argumentos muito fortes, e em meios activistas por diversas razoes que hoje vou deixar de fora, há geralmente uma tendência para se levar bastante a sério a auto definição.
De acordo com a postura que se deve levar as pessoas a sério pela identidade por elas escolhidas (postura essa que por acaso também é a minha), é poly sim senhor quem diz ter dentro de si o potencial para viver em não monogamia responsável, mesmo que não o ponha em prática. De
momento ou sempre.
O ponto a que quero chegar, e que seria quase risível se não fosse bastante chato, é o caso da pessoa que viveu ou tentou viver poly, chateou toda a gente à volta com explicações, come outs, debateu-se com familiares, zangou-se com o patrão... e depois, quando ou por nunca ter conseguido por em prática a sua utopia poly ou porque por acaso há uma ou várias separações na família, não só toda a gente lhe diz "eu bem te disse", mas de repente uma pessoa passa pela "vergonha" de as pessoas nos enfiarem na categoria dos monogâmicos só porque o parecemos :-P
Bem, isto não é um problema, se pensarmos que um problema é não comer ou perder uma perna.Ou perder a tal relação longa mas que não foi longa o suficiente ou que acabou de modo doloroso. Mas é um tema recorrente nos grupos de ajuda poly, pois uma pessoa perde com isso um "sintoma" da sua identidade, e volta a "confundir-se" com aquilo para onde não quer voltar.
Por hoje é tudo.
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Escrevo isto no dia em que fui pela ultima vez ao encontro (stammtich) bi- mensal poly de Munique, encontro esse que co-fundei. Por estar a mudar de cidade, tenho de deixar para trás algumas actividades poly-activistas, porque não posso estar presente ou porque simplesmente faz mais sentido passar o testemunho a outras. Passei a pasta numas coisas, noutras nem por isso.
Aparece o tempo de fazer alguns balanços, "o que fiz bem", "o que fiz mal", "se deveria fazer antes assim", "faz sentido tentar isto em Portugal", "ou não", "porquê?"... no geral, e para não vos maçar muito, estou contente. Acho que não fiz muito, fiz até muito pouco, "demasiado pouco" mas o que fiz fiz numa altura em que não havia muito mais gente a fazer, juntei forças com outros que também queriam fazer coisas, e cativei pessoas para acreditarem nesse mesmo fazer. O que me propus fazer fiz acontecer.
Mudo-me agora para uma cidade onde é tão normal ser poly nos meios em que me movo (cena queer) que os encontros regulares que por lá há são bastante pouco frequentados. (repito, cena queer, os encontros poly "mistos" continuam autênticas festas de solteiros profissionais). Fala-se de poly e pessoas bocejam de tédio. Na verdade, quase toda a gente que conheço em Berlim é poly ou já foi. Vai-me saber bem ir como "cliente", e não como organizadora. Tenho planos e ideias, mas acho que vou estar quietinha, pés em cima da mesa, por uns tempos.
Hoje foi um dia de despedida, em que todos os membros do nosso encontro bi-mensal se esforçaram para me ir abraçar e desejar boa sorte, e planear qual o melhor futuro para aqueles encontros e sua organização.
Lembrei me por isso de outra despedida, outra conclusão, outra separação. Em 2008 tive o privilegio de ajudar humilde e atrapalhadamente a organizar o segundo poly camp para mulheres e transgénero com a Gwendo, minha inspiradora, exemplo e companheira de conspiração. Foi um processo bonito mas em que nos metemos em grandes alhadas que a custo conseguimos resolver, sofremos um bocado com o quiosque, na nossa inocência e falta de experiência. No fim suspiramos de alivio ao ver o slutcamp (aka Schlampenau) ficar de pé, com as suas 20-30 galdérias em alegre e desenvergonhada partilha vádia, sem ninguém passar fome, sem faltar combustível, sem nada correr mal. Na semana a seguir, a Gwendo resolveu visitar-me e dizer-me que "depois do que tens trabalhado pelo poly na Alemanha, é a minha vez de de contribuir para a tua alegria, e para o poly em Portugal". Sorriu, e deu-me o livro "Poly in Portugal" cuja imagem podem ver.
Nunca o abri como devem calcular, mas foi dos presentes mais bonitos que recebi.
(Reminder to self: deixar me de, ao blogar, contar histórias poly, e começar a falar dos meus mentores, como a Gwendo, que também os houve, e com grande importância)
Para aqueles que se sentem defraudados com o tom pessoal e lamecha deste post, e não querem saber de séries de TV de culto com póneis e tal, deixo então um apanhado de referências "estrangeiras" ao poly em Portugal. Trabalho do Alan, do blog "poly in the media":
http://polyinthemedia.blogspot.com/search/label/Portugu%C3%AAs
http://polyinthemedia.blogspot.com/2008/07/amor-sem-amarras-and-portuguese-poly.html
http://polyinthemedia.blogspot.com/2007/11/el-poliamor-uno-para-todos-y-todos-para.html#links
A um grande manifesto associou-se uma grande marcha.
A marcha reflectiu o manifesto. uma marcha corajosa, que não se limita míope ou defensivamente apenas aos temas "tipicamente" LGBT mas que almeja e alveja mais longe, a termos e construirmos, activamente, uma sociedade, de facto (E não apenas em teoria) mais diversa, universal e inclusiva como método de resolver a maioria das injustiças, LGBTs ou não, e com a mesma cajadada os tais problemas "tipicamente LGBT".
A marcha do Porto mostrou que tem alma, e que tem músculo a condizer e vontade de fazer muita coisa. Gosto de ver que a Marcha do Orgulho LGBT do Porto está bem, recomenda-se, e que veio para ficar.
No que me diz respeito, independentemente da minha parcialidade com esta marcha, e do papel indissociável que esta marcha tem na visibilidade poly, acho esta marcha única e um exemplo a seguir, vanguardista de facto nas marchas do orgulho europeias (e olhem que eu conheço umas quantas)
A organização está de parabéns!
Fotografias e captação de som (manifesto e discursos dos madrinhos e padrinhas), ficarão para 156as núpcias...
Nos jornais ainda não apareceu nada, que eu visse, para além disto:
por hoje fiquemos por aqui..
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Mononormatividade é algo muito intrinsecamente poly (vou a partir de agora chamar poly a tudo que seja Não Monogamia Responsável, ok?). Não só poly é contra as convenções sociais (e muitas vezes contra leis), como não há uma maneira única de ser ou pensar poly. Há talvez alguns arquétipos, algumas configurações mais frequentes, mas precisamente o assumir de um modo de vida em que a sinceridade (consigo próprio e outros) está acima da monogamia torna as coisas menos binárias, menos estanques e mais fluidas.
Mononormatividade é um tema muito vasto e hoje quero deixar-vos apenas os acepipes como entrada, e mais para a frente e conforme o vosso interesse podemos pegar ou aprofundar outros aspectos..
Pessoas que vivem sozinhas, e que até sejam felizes (Quirky Alone), são vistas como doentes ou uma excepção à utopia da felicidade universal, ou mesmo um perigo para a sociedade. Mecanismos como o swing ou a neo-monogamia, com tudo o que têm de libertário, começam a ser bem vistos apenas desde que não haja envolvimento emocional e o casalinho original se mantenha intacto. Criticas, construtivas ou não, feitas ao casamento tal como ele é, são anátema para muitos políticos (por ex: Deputada critica casamento) que preferem nem se meter nisso. Evidência histórica que o casamento já foi uma instituição diferente, ou que houve outros contractos sociais paralelos (ver Affrérements ou casamentos entre homens na península ibérica até ao séc. XI) com diferentes papeis, e diferentes expectativas, é sistematicamente esquecido... Algo que cheire a "promiscuidade" é sempre o culpado dos tremores de terra, epidemias, e um par de botas, em vez de se procurar as verdadeiras causas e actuar sobre elas... Mas pular a cerca nunca será uma causa de tremores de terra, porque não conta como promiscuidade, não ameaça o par original..
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MARCHA DO ORGULHO DA MONOGAMIA COMPULSIVA?
MOVIMENTO LGBTM - Lésbicas, Gays, bi e Trans MONOGÂMICOS?
Provavelmente um dos melhores lemas de sempre. Talvez peque por ser
demasiado subtil, nem toda a gente vai perceber as inúmeras e profundas
implicações em vários temas actuais. Mas gosto muito. Lá estarei, se
tudo correr como planeado.
PolyPortugal na co-organização
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Começa por escrever acerca da reivindicação do casamento, aliás, toda a a introdução do artigo é casamento até mais não. Mas as pessoas que não querem ser entrevistadas (sem dúvida malvados sem coração nem boas maneiras que se recusam a ser fotografados) que outra razão podem ter que não o medo da discriminação? E mesmo as pessoas que entrevistam, bem, elas próprias falam de discriminação.
Amigos, vamos assistir talvez à conquista do casamento, em poucas semanas (sem adopção, ou enquadramento decente da fertilidade, não é?). Lá estarei, de champanhe na mão, e contente por ter sido das primeiras pessoas a ter honra de ter assinado com o MPI (Movimento pela Igualdade). Mas vamos também que nos preparar para artigos da imprensa a dizerem cosias do género "meses depois do alargamento do casamento LGBT poucos são os que casam - para que então tanto barulho, etc?". Porque muitos vão chegar à conclusão que se lutou por uma coisa, mas que faltam ainda as condições, de segurança física e emocional, para que aqueles que o queiram possam realmente casar (protecção em caso de discriminação). E que os que não querem casar por acaso também precisam.
Espero que a grande luta do próximo ano seja por um enquadramento especifico das discriminações, que legislativa, quer penal. E por acções preventivas específicas, nas escolas, nos tribunais, nas prisões, nas forças da ordem, e na sociedade em geral. Espero também que os que decidam não casar, poly ou não, LGBT ou não, que lutem pelo direito de gerir pessoalmente quem os pode visitar em caso de acidente num hospital, numa prisão, quem pode decidir "desligar a máquina", quem pode herdar os seus bens. Porque no fundo o casamento é um contracto que define essas coisas em lugar do Estado.
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Eles saem à rua pelo casamento. Mas alguns ainda se escondem
27.06.2009, Andreia Sanches (texto) e Nuno Ferreira Santos (fotos)
A luta pelo acesso ao casamento gay ganhou visibilidade. Mas há outros
temas no centro das reivindicações de quem festeja o "Orgulho LGBT"
A celebração do chamado "Orgulho LGBT" (sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero) tem dois pontos altos: a marcha, em Lisboa, e o arraial ao ar livre, também na capital. A marcha aconteceu no sábado - terá sido a maior de sempre, segundo a organização, e nela gritou-se pelo acesso ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. O Arraial Pride é
hoje, uma semana depois, em Belém, e tem como tema "as famílias que somos". São dois momentos de exposição pública das pessoas LGBT, mas também de reivindicação de direitos. O que significa que, aqui, não há quem se esconda. Ou quem recuse dar entrevistas. Certo? Errado.
Ao PÚBLICO, na última marcha, interessava encontrar exclusivamente casais gay. Casais anónimos. O desafio era simples: "Deixe-se fotografar para o jornal" e "diga-nos o que o faz sair à rua". Parecia simples: era uma marcha nas ruas de Lisboa, com música, animação, casais abraçados, alguns beijos (não muitos), pessoas com filhos (muitas)... mas ao longo da tarde os "nãos" sucederam-se. Onde estava o orgulho LGBT? Não houve ninguém a dizer: "Não dou entrevistas porque não me apetece aparecer a falar consigo". Houve outros argumentos: havia filhos que era preciso "proteger"; postos de trabalho a preservar - "Sou militar, não vão gostar se aparecer, desculpe"; familiares que se vissem a fotografia no jornal, assim, isolada, podiam ficar incomodados. "Desculpe, mas não." Afinal, por que é que eles saem à rua? "Orgulho LGBT"? Respostas de casais que aceitaram falar ao PÚBLICO.
Mafalda e Ana
Para que Portugal seja mais parecido com Espanha
Fazem parte da pequena multidão de jovens muito jovens que este ano participaram na marcha LGBT. Mafalda Sampaio e Ana Gavilan têm 20 anos e são estudantes do ensino superior (Mafalda escolheu Psicologia, Ana frequenta Design de Moda). "Sempre soube que era bissexual", diz a estudante de Psicologia que também trabalha num café na Baixa lisboeta. Ou seja, desde que se lembra de gostar, tanto gostava de rapazes como de raparigas. Com Ana aconteceu de maneira diferente. Descobriu pouco antes dos 18 anos que era homossexual e há quem na família ainda esteja a digerir essa descoberta. Há um ano e pouco começaram a viver juntas. E agora já fazem planos: gostavam de casar-se, sonham ter filhos.
A lei portuguesa não permite casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Nem a adopção de crianças por casais de pessoas do mesmo sexo. Nem tão-pouco o recurso a técnicas de reprodução medicamente assistida por parte de mulheres lésbicas. Mafalda sabe de tudo isto e, nesta tarde tórrida, em plena marcha do "Orgulho", trava o passo para dizer sem esconder a irritação: "Gostava de ter mais direitos". Depois continua: "Acho que para lutar por eles é preciso dar a cara, acho que os eventos em público são essenciais. Acho que há mais gente a participar nestes eventos públicos e, provavelmente, isso tem a ver com o facto de o casamento gay estar mais em cima da mesa. E de haver figuras públicas a defendê-lo. Mas, francamente, acho que, na verdade, esta questão já devia ser uma coisa do passado, já não devíamos estar a discutir isto, acho que toda a gente deveria ter direito a casar-se e pronto".
A revolta vai transparecendo mais nas palavras, à medida que prossegue: "Os políticos são homofóbicos, muitos são gay e não se assumem e não respeitam quem se assume. Se a lei não mudar em Portugal, posso pedir a nacionalidade espanhola, tenho condições para fazê-lo, e ir a Espanha para recorrer a um centro especializado e fazer uma inseminação artificial. E casar-me. Não sei por que é que um país que está aqui tão perto é tão diferente de Portugal. Mas é exactamente por isso que participo neste tipo de eventos públicos, para tentar diminuir a distância".
Em Espanha, os casamentos entre pessoas do mesmo sexo e a adopção por casais homossexuais foram regulamentados em 2005. E as lésbicas podem aceder a centros especializados em reprodução medicamente assistida.
David e Pedro
Para que um beijo deixe de ser notado
David Campelo, de 20 anos, músico, beija Pedro Jerónimo, de 30, administrativo num banco. Está um fim de tarde lindo, a marcha do "Orgulho LGBT" chega ao fim, no Rossio. Quem participou começa a desmobilizar- se. David não. Fica mais um bocado na conversa com amigos. Transborda de energia. Dá um beijo entusiasmado, sôfrego, a Pedro. Na boca, para a fotografia. "O movimento activista está a crescer", diz David no intervalo da mini-sessão fotográfica. "Está mais unido e está a rejuvenescer. Temos muitos activistas da minha idade e até mais novos; temos jovens menores de idade que estão já activamente empenhados nas associações. Vem aí uma nova geração de activistas."
Há um ano que Pedro e David são um "casal estabelecido" - palavras de David que fazem Pedro rir-se. Não querem casar-se - já falaram do assunto e estão, pelo menos aparentemente, de acordo. Casamento, não. Para eles, não. Mas fazem questão de reivindicá-lo. Querem que a lei
mude, como, de resto, é pedido numa petição lançada há cerca de um mês que conta já com mais de seis mil assinaturas - entre as quais as de muitas figuras públicas.
"O casamento não passa de um papel assinado, mas, na cabeça de muitos casais, faz toda a diferença. É o oficializar uma relação, é ser-se reconhecido", defende David. Nem Pedro nem David precisam, contudo, desse reconhecimento. De que precisam, então? Pedro conta: diz que é bissexual. Que já beijou na boca raparigas na rua, em público, e que não é nada o mesmo do que beijar um rapaz. O beijo à rapariga não é notado; o beijo ao rapaz causa escândalo. "Tento que isso não me iniba. Tento não deixar de dar beijos na rua [a David], mas depende um bocado dos sítios, do ambiente à volta. Penso sempre nisso. Porque as pessoas olham, comentam, atacam..."
David enfurece-se. "Há muito casal que, com medo de ser atacado, nem a mãozinha dá, quanto mais um beijo." E, sim, a sua luta é contra essa sensação de que é preciso esconder alguma coisa: "A minha luta, o que eu quero, é que um dia qualquer um de nós vá na rua e, seja 'homo', 'bi', 'hetero' ou 'trans', isso seja indiferente. Muito tem que mudar na cabeça das pessoas e no discurso das pessoas. Começa logo por não partirmos sempre do princípio que uma menina tem, 'de certeza absoluta, um namorado'. Pode não ter. Pode ter uma namorada. É normal". Se calhar, só vai acontecer quando chegar "à terceira idade", brinca. Mas um dia, acredita, ninguém vai ser atacado por dar um beijo na boca de outra pessoa.
Margarida e Patrícia
Para poder casar-me outra vez
*São ambas bancárias. Estão ambas à sombra, no jardim do Príncipe Real, à espera que a marcha comece, quando falam com o PÚBLICO. Margarida Bom, de 52 anos, tem experiência destas coisas. Há anos que participa empenhadamente nas marchas LGBT. E sabe, por exemplo, que estes acontecimentos têm sempre inúmeros "fotógrafos profissionais" um pouco à
margem que, na verdade, não são nada "fotógrafos profissionais". São homossexuais que com o escudo da máquina fotográfica vêm ver como é. "Ainda não saíram do armário."
Já para Patrícia Antunes, de 36 anos, tudo é novo. Esta é a sua primeira marcha do "Orgulho". E está orgulhosa. "Estamos juntas há três anos", começa Patrícia. "Dantes eu era heterossexual, a Margarida foi a minha primeira experiência homossexual e eu não estava muito a par do que se
fazia e dos problemas que este segmento da população enfrentava."E agora? "Não me constrange nada estar neste tipo de eventos. Para mim foi fácil assumir a minha homossexualidade. Foi tão fácil que até a mim me espantou. Acho que, a partir do momento em que se assume que sentir amor por alguém é sempre válido, é fácil. Claro que temos que enfrentar os preconceitos das pessoas. Temos que enfrentar na família, no trabalho..." Encolhe os ombros: "Há muitas pessoas ignorantes". Agora que está a par dos "problemas que este segmento da população enfrenta", diz que o que a faz sair à rua é reclamar o acesso ao
casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Quanto a Margarida, já foi casada com um homem, há muitos anos, teve uma filha, que tem hoje 25 anos, e agora, se pudesse, casava-se com Patrícia. "Gostava simplesmente de ver esta relação reconhecida com todos os direitos legais que lhe são inerentes, mais nada. Não tenho uma visão romântica do casamento; romantismo é vivermos todos os dias juntos, com as coisas boas e com as chatices que isso implica. E da cerimónia do casamento, com todo o empolamento que a sociedade de consumo capitalista e heterossexual lhe dá, também prescindo."
Margarida lembra que os casais de pessoas do mesmo sexo podem viver em união de facto, mas que isso não é igual a um casamento civil. A união de facto não permite a escolha de um regime de bens; não há um património comum; as pessoas que vivem em união de facto não são
herdeiras uma da outra (cada uma pode fazer testamento mas apenas para parte do património); as dívidas do casal são da responsabilidade exclusiva da pessoa que as contrair, mesmo se contraídas em benefício do casal.
"A maioria heterossexual acha que defendemos o casamento por uma questão de estatuto, mas não é por uma questão de estatuto", remata Patrícia. "É porque temos o direito de amar quem queremos e a ser legalmente reconhecidos. Se pudesse casar-me, também me casava." Com Margarida, claro.
Fabrício e Anderson
Para adoptar uma criança
Fabrício Figueiredo, de 22 anos, imagina assim o seu casamento: uma superfesta, cheia de amigos, com a família toda. E depois? Depois adoptar uma criança e, quem sabe, viver em Portugal com o namorado, Anderson de Sousa, de 23 anos, e o filho. "Como se fosse nosso, biológico."Fabrício está de férias em Portugal. Vem do Brasil. Anderson, também brasileiro, chegou há alguns anos a Lisboa para trabalhar numa empresa de exportação e importação de produtos. Explicam que o "Orgulho" gay celebrado em Portugal é mais modesto do que no país deles - "No Brasil participam milhares e milhares de pessoas em qualquer evento deste tipo."
Mas as diferenças não ficam pela dimensão dos festejos. "Os homossexuais portugueses são menos assumidos", diz Anderson. "Os brasileiros dizem: 'Sou gay e tenho orgulho nisso.' Eu, por exemplo, nunca me senti rejeitado pela minha família. Quando assumi, as pessoas ficaram um pouco ansiosas, mas, com o tempo, isso acabou. Cá não é assim. As pessoas têm mais medo."
Mas não há só diferenças entre ser gay em Portugal ou no outro lado do Atlântico. Também no Brasil o casamento civil que Fabrício assinalaria com a superfesta está vedado a casais de pessoas do mesmo sexo. Tal como a adopção de crianças. É sobretudo por causa deste último aspecto que cá, como lá, Anderson sai à rua para protestar. "Temos a mesma capacidade de cuidar de uma criança que um casal heterossexual. É preconceito achar que não. É isso que temos que explicar às pessoas. Acho que elas vão acabar por entender."
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