A primeira coisa que me veio à cabeça ao desenterrar alguns textos que li ou mesmo que escrevi (mea culpa, sim, minha grande culpa) sobre o assunto, é que muitas vezes são textos duma injustiça, ingenuidade e falta de rigor incríveis, pois comparam muitas vezes, digamos assim, os falhanços práticos da monogamia, ou aquilo que muita gente chama de monogamia e nao é, com uma versão idealizada e infalível do poliamor, ou, por outras palavras, o que o poliamor ideal e teoricamente deveria ser.
Por outras palavras, é como se eu comparasse a Historia do Cristianismo com as suas Cruzadas, os massacres, a Inquisição, o colaboracionismo, com a definição e objectivos do Budismo (e varresse para debaixo do tapete as guerras em nome do Budismo, e igualmente as definições e objectivos do Cristianismo ocidental). Infelizmente há pessoas, mesmo profissionais da escrita e da análise politica e histórica que insistem nisto.
Para mim a monogamia é apenas mais uma solução possível para a quadratura do amor. Não digo mal nem bem da monogamia. Acho que funciona para muita gente (falo de monogamia ppd e não de monogamia com traição, e, digo sem ironia, mesmo esta funciona curiosamente, para muita gente). Acho que podia funcionar para mim, mas sou mais feliz e ocupada vivendo poly. Na verdade é possível também viver em monogamia e em poliamor (Deixo esta frase como trabalho de casa) Eu defendo, pessoalmente e como activista, o reconhecimento que há mais formas de amar do que a "oficial", e que o poliamor, na sua variedade, merece respeito e é legitimo, mas que talvez não funcione para toda a gente, e não, não quero acabar com a monogamia. O que eu combato é a Monogamia como único modelo, a monogamia "de Estado", ou a monogamia como o único modelo que merece respeito.
Uma palavra acerca do casamento, uniões de facto e monogamia de Estado... não é justo que numa sociedade que se diz baseada no individuo livre (Embora as constituições europeias tenham mudado discreta mas peremtóriamente durante os últimos 80 anos no sentido da “a família ser a base do Estado”), dois indivíduos casados tenham mais privilégios do que os não casados. Refiro me ao poder testamentário e ao poder de procuração em caso de doença ou semelhante. Entendo que isso deveria ser regulado por cada individuo por si só e não pelo estado e suas leis. Não percebo sequer qual a lógica de ser, digamos assim, o meu cônjuge-parceiro-amor a tomar uma serie de decisões quando eu não as posso tomar. Consigo pensar numa serie de pessoas que eu preferia por a tomar esse tipo de decisões (o desligar da maquina, a gestão dos meus bens, a amputação da perna, que advogado chamar se eu estiver na cadeia, etc) que não são minhas relações e sem que isso queira dizer que gosto menos das minhas relações. A questão do apoio à parentalidade, ou seja, a questão dos filhos, pode perfeitamente ser legislada fora do contexto do casamento e não em ligação automática. E embora defenda o alargamento do casamento aos pares do mesmo género (e já preocupada com a pergunta de quem é que define género, pedra no sapato avant la lettre), na verdade acho o casamento injusto contra não só todos os que vivem outros tipos de relações para alem do par paradigmático, mas todos os celibatários, voluntários ou não. Na verdade, a única coisa justa a fazer seria a abolição do casamento civil.
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