Este fim de semana viu várias calamidades naturais e humanas, como por exemplo as enxurradas na Madeira ou a manifestação pela familia tradicional com slogans brilhantes do calibre de "A natureza diz nao" ou "Gosto tanto dos meus avós" (Alguém vai ter de me explicar esta..) e a presença sempre lustrosa da extrema direita. Sim, os tempos estão de feição a quem acha que é democrático permitir uma manifestação de pessoas que acham que se devem limitar os direitos a outras pessoas, ou julgar ou emitir opiniões sobre a vida privada de outrem. A condizer com isto, podia aparecer um título no jornal a condizer com tantos portentos e sinais certos de Apocalipse, como "Bébé com seis cabeças". Mas não, nada disso, aparece antes "Bébé com seis pais" e parece coisa mais agradável ao nosso palato poly:
(fonte: TimeOut, tip da underscore) Um bebé com seis pais
Já ouviu falar da família tradicional? Pois esqueça tudo. Bruno Horta explica porquê.
Que acontece a um casal quando decide ter filhos? Desiste do lado divertido da vida? É nessa altura que entra realmente na idade adulta? E se esse casal for constituído por duas lésbicas e partilhar a intimidade com um amigo gay, que será o pai biológico da criança?
Atenção: na peça Com o Bebé Somos Sete, que a companhia Escola de Mulheres apresenta até ao fim do mês no Clube Estefânia, o facto de o casal ser lésbico e polígamo não é sequer um tema. É apenas um dado adquirido. Os temas, analisa a encenadora, Marta Lapa, são outros: “Fala, de forma muito bonita, sobre homoparentalidade e pergunta o que é a normalidade nas relações e qual o caminho a seguir pelas pessoas, quaisquer pessoas, quando estão na eminência da paternidade.”
O texto original (And Baby Makes Seven) foi escrito em 1984 pela dramaturga americana Paula Vogel e estreado nesse ano em Nova Iorque. Vogel é presença constante nas produções da Escola de Mulheres, que já apresentou cinco peças da sua autoria, contando com esta. “É uma escritora de temas interventivos, ou fracturantes, como se queira chamar, uma escritora brilhante, que consegue disparar para vários lados ao mesmo”, explica Marta Lapa.
As três personagens que vemos em palco são, na verdade, seis. Anna, Peter e Ruth (Cristina Carvalhal, Margarida Gonçalves e Sérgio Praia) são adultos mas albergam neles alter-egos infantis, que os dominam por completo. Raramente têm conversas sérias. Passam a vida a inventar situações imaginárias para as suas personagens e brincam uns com os outros como crianças. O que não impede que vão deixando cair, aqui e ali, potentes frases adultas, obviamente políticas. “Vocês não podem estar contra a verdade”, diz uma delas, no meio de uma discussão. “Podemos, sim senhor, isto é uma democracia”, respondem-lhe.
No fundo, são três adultos, em triângulo amoroso, que não querem deixar de ser crianças. Mas desejam um filho e têm medo que a criança os obrigue a desistir do lado divertido e infantil em que vivem.
Nesta fábula, ou tragicomédia, como lhe chama a encenadora, é ainda aflorado o tema da sida, talvez devido ao contexto da época em que foi escrita – o início da epidemia nos EUA. A peça é apresentada numa altura em que o casamento e a adopção gays estão na ordem do dia. Mas isso, no dizer da encenadora, “é apenas uma feliz coincidência”. “Já tínhamos pensado nesta produção há mais de um ano, quando não se sabia se esta temática estaria em discussão na sociedade portuguesa”, esclarece.
Com o Bebé Somos Sete, de Paula Vogel. Clube Estefânia, R Alexandre Braga, 24. Qui-Sáb, 21.30; Dom, 16.00. Bilhetes: 10 euros.
terça-feira, 12 de Janeiro de 2010
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