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O artigo abaixo é sobre o livro de Esther Perel, Amor e Desejo na Relação Conjugal
O artigo abaixo é sobre o livro de Esther Perel, Amor e Desejo na Relação Conjugal
Jornal Público
"A próxima fronteira para os casais é a monogamia"
26.03.2008, Bárbara Simões
Nunca como agora se pediu tanto a uma pessoa numa relação amorosa: afecto, compromisso, respeito, estabilidade, filhos, compreensão, amizade, confiança... E sexo escaldante, claro. Difícil? Nem por isso - dificílimo. A terapeuta Esther Perel, por estes dias em Portugal, é autora de um best-seller sobre o assunto
Está tudo nesta imagem: uma camisa de noite de flanela. É assim que Candace, 30 e poucos anos, se refere ao seu casamento de sete com Jimmy. Quentinho e confortável, simpático mas não excitante. "- O que lhe sei dizer - afirma - é que a bondade dele me faz sentir segura, mas quando penso num homem com quem queira ir para a cama não é segurança que eu procuro.
- Por não ser o quê? - pergunto. - Suficientemente transgressivo? Suficientemente agressivo?- Por não ser suficientemente agressivo."
Candace e Jimmy foram um dos muitos casais que pediram ajuda a Esther Perel e cuja história é contada no livro Amor e Desejo na Relação Conjugal, este mês editado em Portugal pela Editorial Presença. A questão, que a tantos atormentava, intrigou e ao mesmo tempo fascinou esta terapeuta familiar e de casais numa clínica privada do Soho nova-iorquino: "O que é que acontece a estas pessoas que parecem amar-se tanto mas não têm sexo?" Ainda por cima, lembra ao P2 numa entrevista em Lisboa, antes de seguir para o Porto - onde a partir de hoje participa num congresso mundial de terapia familiar -, "esta é a primeira geração que coloca o desejo no centro da vida sexual." Vencida a revolução sexual, conquistada a pílula e, em traços gerais, a igualdade, as pessoas podem fazer o que lhes apetecer. O problema é que lhes apetece pouco, ao fim de algum tempo numa relação. Esta é também, por isso, "a geração que quer querer".E o que Esther Perel (49 anos, casada e mãe de dois filhos) quis foi "entender este dilema dos casais modernos", atentar na diferença entre amor e desejo e "questionar muito do que a psicologia e as revistas femininas nos dizem". A intimidade traduz-se muitas vezes em "sexo domesticado" ; e o erotismo "requer distância, risco e alguma dose de egoísmo", por muito politicamente correcto que seja proclamar os méritos da proximidade e da transparência."Um excesso de fusão erradica a existência independente de dois indivíduos distintos. Deixa de haver uma ponte para transpor, alguém para visitar do outro lado", escreve neste seu primeiro livro a terapeuta, nascida e criada na Bélgica.Os tempos são exigentes. De maneira mais ou menos acentuada, foi-se desmoronando (ou pelo menos ficando cada vez mais longe) toda uma rede que sempre nos tinha amparado, garantido sentido de pertença e evitado que nos sentíssemos sozinhos: família, religião, aldeia, vizinhos, bairro...
Repensar tudo
Assim "transplantados" (é esta a expressão usada), deslocámos tudo para a relação amorosa e pedimos agora a uma única pessoa que nos dê aquilo que toda uma comunidade costumava assegurar. "Isto nunca aconteceu antes", observa Esther Perel. "Eu quero de ti tudo o que antes tinha no casamento - compromisso, respeito, filhos, apoio financeiro - e ainda que sejas o meu melhor amigo, meu confidente e meu amante apaixonado."Pede-se muito mais e por muito mais tempo, uma vez que a esperança média de vida não cessa de bater recordes e a vida é hoje, por regra, mais longa. "É verdadeiramente fascinante." Só fascinante ou também possível? "É possível, mas obriga a repensar toda a estrutura da relação", responde.Repensar, negociar fronteiras e limites - é uma das mensagens que percorrem este Amor e Desejo na Relação Conjugal. A avaliar pelo sucesso do livro, publicado em mais de 15 países, a mensagem toca muita gente. A autora simplifica: "Não digo coisas que as pessoas não saibam. Digo apenas coisas que toda a gente sabe mas não diz."E o que é que Esther Perel diz? Várias coisas (para além da tal ideia de que a intimidade não só não é garantia de uma vida sexual satisfatória como até se dispensa para isso). Por exemplo: quebra de desejo não significa falta de amor; os problemas sexuais não têm necessariamente a ver com problemas na relação ("a cozinha e o quarto são duas histórias diferentes") ; a paixão vai e vem, não tem de ser sempre a descer à medida que a idade avança; neste campo, a espontaneidade é um mito; a infidelidade "às vezes até ajuda a estabilizar um casamento".
Perel esclarece que não "receita" soluções. Deixa sugestões que possam ajudar as pessoas a viver menos conformadas e a não estarem completamente fechadas a outras formas de pensar e de combater uma relação em cristalização. No livro conta que, quando atende um casal pela primeira vez, pergunta sempre como foi que se conheceram e o que é que os atraiu um no outro. E é quando ouve as respostas que consegue "vislumbrar, por entre os escombros, o que um dia tiveram" e gostariam de recuperar. Adele, uma advogada de 38 anos, tem saudades do nó no estômago, "aquela palpitação". Está casada com Alan há sete anos. "Quando nos conhecemos, ofereci-lhe uma pasta pelos anos, uma coisa que ele tinha visto numa montra e que tinha adorado, e enfiei lá dentro dois bilhetes de avião para Paris. Este ano dei-lhe um DVD e comemorámos com uns amigos à volta de um rolo de carne que a mãe dele fez. Não tenho nada contra os rolos de carne, mas foi a isto que chegámos."Como é que se sai disto? Beatrice optou por, durante uns tempos, deixar de morar com John, numa tentativa de recuperar independência e alguma tensão. Candace e Jimmy foram temporariamente proibidos de se tocar (só olhinhos e bilhetes, mais nada). Jackie e Philip foram aconselhados a namoriscar e a criar um e-mail só para trocarem mensagens eróticas. Catherine e o marido cultivam uma fantasia na qual ela é uma prostituta cara. Cada um fixa os seus limites e eles também mudam com os tempos. Hoje, lembra Esther Perel, "temos muito mais modelos com que lidar": famílias monoparentais, homossexuais, segundos casamentos.. . E a monogamia, "a vaca sagrada do ideal romântico", deixou de ser uma imposição e passou a ser uma convicção. "É uma escolha e é uma questão de amor. Mas isto é uma ideia nova..." E em seu entender ainda vai dar muito que falar: "A próxima fronteira, a próxima discussão é a monogamia."
Negociar fronteiras
Por enquanto, observa, "os únicos que neste campo negoceiam abertura são os gays (homens, as lésbicas nem tanto)". No mundo dos casais heterossexuais a exclusividade é "geralmente assumida, não é negociada".
Mas muitos "estão a tentar encontrar uma alternativa" , porque entendem que até nem funcionam mal como casal" e interrogam-se: "Devo deixar tudo isto porque não temos sexo escaldante? O sexo nem é mau, mas de vez em quando gostava de sentir aquela outra coisa... Posso tê-la contigo? Talvez sim, talvez não, talvez não agora..." E optam por "negociar as fronteiras dentro da relação". Onde as colocam já não é a terapeuta que decide. "Digo apenas: este é o tipo de coisas em que precisam de pensar." No mais recente inquérito promovido pela Durex, as mais de 317 mil pessoas ouvidas em 41 países tinham em média relações sexuais 103 vezes por ano. Os portugueses ficavam ligeiramente acima da média (108). Os gregos (138) lideravam a tabela, os japoneses (45) ocupavam a última posição. Esther Perel recusa-se a quantificar o que é um casamento sem sexo. Para além da diminuição da frequência, preocupa-a o tédio. E algumas "certezas" que se instalaram. Eddie era visto pelas mulheres como alguém que temia compromissos. Está casado com Noriko há 12 anos, têm dois filhos. Quando se conheceram, ela quase não falava inglês e ele não percebia uma palavra de japonês.
"Acho que foi por não podermos falar que tudo isto se tornou possível. A Noriko e eu tivemos de arranjar outras maneiras de demonstrar quanto nos queríamos. Cozinhávamos muito um para o outro, dávamos banho um ao outro. Eu lavava-lhe a cabeça. Íamos a exposições de arte. Não era que não comunicássemos; só não falávamos." Mais um mito para deitar abaixo.
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