2.09.2007

Ética, banha da cobra, poliagamia e IVG e o que mais quiserem...

Este artigo não vai ser sobre poliamor, nem vai ser, como parece, sobre a IVG (tantas vezes confundida com aborto), mas sobre ética e como um artigo usa e abusa da palavra ética mas sem aprofundar o uso do conceito. Mas não garanto que não me fuja a mão para umas excursões sobre poliamor e IVG. Como o artigo que comento resolveu usar a poligamia como exemplo de comportamento imoral, apeteceu me bater lhe.
O artigo em questão, por Saarfield Cabral, saiu no DN de sábado (3 de Fevereiro de 2007: http://dn.sapo.pt/2007/02/03/opiniao/debate_etico_e_leis_aborto.html).




Bruno, Giordano


Uma das primeiras teses do artigo é que o aborto (nome usado pelo autor e com o qual eu não concordo, sendo IVG o termo mais adequado) é uma decisão de consciência. Não é, porque se o fosse, pessoas nao iriam para a cadeia por o praticar ou ajudar a praticar.

Em seguida, o autor, enumera três pontos porque a discussão sobre a IVG é tão positiva. Venham eles:

1) Algo como a ética ser importante, porque senão torna-se aceitável fazer qualquer coisa desde que toda a gente o faça. Esta frase é um eco (distorcido) da frase de Adriano, imperador (cito e mal, de memória): "é importante legislar de modo a que as pessoas vejam a lei como natural, sem emitir leis que as pessoas violem sistematicamente, senão perdem o respeito á Lei como instituição" (Vejam "Memórias de Adriano" de Yourcenar, grande livro).

2) A existência do debate é fixe porque faz com que as pessoas tomem decisões racionais. (ok, aceito, mas é wishful thinking, no caso da IVG as decisões serão, e isso não é sempre mau, também emocionais).

3a) A "formação democrática de consensos, nunca unânimes mas maioritários" é um contrasenso em si mesmo. A democracia não é a ditadura da vontade da maioría sobre a minoria, mas sim a elaboração, por parte de governantes eleitos por uma maioria, de leis e princípios que sejam justos e inclusivos para todo os sectores da sociedade. Um consenso é por definição unânime, mesmo que para o atingir se tenham que fazer compromissos durante a discussão em relação á ideia original.

3b) Mais uma vez o argumento da liberalisação ser um assunto pessoal, que não é, pois o Estado, neste momento, decide pelas mulheres (ou pelo casal, como os defensores do NÃO gostariam de ouvir), e priveligiando a vida do embrião (erradamente chamado feto neste contexto) sobre o corpo e vida da mulher.

Enough said sobre os pontos (2) e (3)s, voltarei ao ponto (1), que me abriu o apetite para a peleja. O autor defende a tese, de que se "a ética é afastada numa sociedade" entao só resta começar a legislar coisas como a poligamia e partidos pedófilos (na Holanda). Pacheco Pereira gosta também de bater generosamente neste ponto, vide abrupto.blogspot.com acerca disto. Eu baterei de maneira menos sofisticada e por outras razões.

A ilegalização da poligamia nas sociedades ocidentais foi, no devido contexto, um grande passo na direcção de uma maior dignidade humana, quer da mulher quer do homem. Afastou a percepção da mulher como sinal de status, como qualquer outra mercadoria, sinal da prosperidade de alguém. Não desenvolverei mais isto, há rios de tinta sobre o assunto.

Mas não vejo as sociedades que actualmente praticam a poligamia, ou as sociedades que noutras épocas a practicaram, a serem mais atrasadas ou menos éticas que a "nossa" (disclaimer: isto NÃO é um artigo sobre poliamor, mas sobre liberdade e sobre percepções da ética). Essas sociedades parecem-me estruturadas com igual grau de complexidade, dinâmicas semelhantes, mesmas guerras, mesmo anelo de paz, etc.. Esta culpabilisação duma opinião contrária, presenciamos recentemente quando o poliamor foi comentado como "muito bonito, mas se vocês amassem a sério então eram certamente monogâmicos"...

A minha interpretação abusiva é que o autor tem dificuldades em "pacificamente conviver com gente de muitas e variadas concepções de vida". Ou talvez coexista, mas preferiria não os ver ou saber da sua existência.

Que diria este autor do Poliamor, que é uma coisa ainda menos estruturada que a poligamia? Também que "quem ama é fiel"? ou que como não temos ética que ganhamos a vida a roubar carteiras no Rossio ou a vender banha da cobra na rua das Portas de Sto Antão (onde vi o último vendedor de banha da cobra, quando tinha 6 anos)? Ou dirá talvez que quando os poliamorosos forem muitos que passará a ser aceitável dizê-lo em voz alta, em frente de muita gente e de crianças?? Acerca desta última questão, espero bem que SIM!!!

Sim pela IVG, sim pelo poliamor ás claras, sim por liberdade responsável!!!!

Animula, vagula, blandula

Hospes comesque corporis

Quae nunc abibis in loca

Pallidula, rigida, nudula,

Nec, ut soles, dabis iocos...

P. Aelius Hadrianus Imp.

2 comments:

  1. Anonymous8.2.07

    Governo deve tomar medidas em vez de pedir ao povo a solução

    Não ! - Não à legalização do aborto através da falsa bandeira (engodo) da despenalização !

    A despenalização do aborto é outra forma enganadora de combater o aborto. O número de interrupções de gravidez, no mínimo, triplicará (uma vez que passa a ser legal) e o aborto clandestino continuará - porque a partir das 10 semanas continua a ser crime e porque muitas grávidas não se vão servir de uma unidade hospitalar para abortar, para não serem reconhecidas publicamente.
    O governo com o referendo o que pretende é lavar um pouco as mãos e transferir para o povo a escolha de uma solução que não passa, em qualquer uma das duas opções, de efeito transitório e ineficaz.
    Penso que o problema ficaria resolvido, quase a 90 %, se o governo, em vez de gastar milhões no SNS, adoptassem medidas de fundo, como estas:

    1 – Eliminação da penalização em vigor (sem adopção do aborto livre) e, em substituição, introdução de medidas de dissuasão ao aborto e de incentivo à natalidade – apoio hospitalar (aconselhamentos e acompanhamento da gravidez) e incentivos financeiros. (Exemplo: 50 € - 60 € - 70€ - 80€ - 90€ - 100€ - 110€ - 120€ -130€, a receber no fim de cada um dos 9 meses de gravidez). O valor total a receber (810€) seria mais ou menos equivalente ao que o SNS prevê gastar para a execução de cada aborto. (*)

    2 – Introdução de apoios a Instituições de Apoio à Grávida. Incentivos à criação de novas instituições.

    3 – Introdução/incremento de políticas estruturadas de planeamento familiar e educação sexual.

    4 – Aceleração do "Processo de Adopção".


    (*) Se alguma mulher depois de receber estes incentivos, recorresse ao aborto clandestino, teria que devolver as importâncias entretanto recebidas (desincentivo ao aborto). [Não sei se seria conveniente estabelecer uma coima para a atitude unilateralmente tomada, quebrando o relacionamento amistoso (de confinaça e de ajuda) com a unidade de saúde].

    Estou para ver se os políticos vão introduzir, a curto prazo, algumas deste tipo de medidas. É que o povo, mais do que nunca, vai estar atento à evolução desta problemática.

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  2. Não ligues, não vale a pena enervares-te. O Sarsfield Cabral é um facho de género grunhozito e reaccionário, dos quais, infelizmente, existem muitos.

    Mas concordo que, às vezes, dá vontade de os tentar elucir sobre a error of their ways à bofetada... (aaaargh, eu não disse isto)

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