"Atrás de cada rosto insuspeito uma vida única. E á sua frente, um futuro único"
Extracto modificado de artigo publicado na Zona Livre.
Entreguei no último número da zona livre a tradução de um artigo pessoal e descritivo (da minha amiga e cúmplice de conspiração G. Altenhoeffer) sobre poliamor, esperando começar a discussão sobre o tema. Por algumas respostas que tive (obrigada!) senti-me na necessidade de explicar alguns pontos. Não quis apresentar definições ou grandes dissertações sobre o poliamor, não-mogamia responsável, relações abertas, aneis, redes, triângulos, etc. etc. etc.. Basta apresentar o poliamor como qualquer relação que se afasta conscientemente do modelo monogâmico, e já temos material que baste. Não quis fazer uma apologia do poliamor como um modo de vida que todas devamos abraçar imediatamente e sem excepção. Cada uma sabe de si e o amor (em todas as suas formas) sabe de todas. Quis sim, como disse, em primeiro lugar, lançar a discussão. Em segundo lugar, quis mostrar que há ainda mais diversidade do que se vê em primeira aproximação, mostrar que há outros modos de vida a acontecer mesmo ao nosso lado, e que pedem e merecem visibilidade e respeito. Por fim, quis mostrar ás que, mergulhadas numa sociedade que força o paradigma monogâmico, e vivem ou contemplam viver em poliamor, que não estão tão isoladas como isso: "Nós andamos aí".
As reacções que tenho tido têem sido semelhantes em quantidade e qualidade a reacções ouvidas nos últimos anos noutros ambientes, noutros contextos. Vejo isto como animador, pois parece indicar que diferentes ambientes sociais não influenciam a predominância de um certo tipo de reacção. Estamos pois a falar de um tema que é essencialmente humano e pessoal e que não é influenciado por modas, idade, culturas ou educação. Tive reacções de grande hostilidade (a raiar o insulto), outras de grande cepticismo ("esse modo de vida é sustentável?"). Tive outras de tolerância em que pessoas que não se imaginavam fora do modelo monogâmico aceitavam que isso pudesse ser válido e respeitável para outrem. Dentro deste grupo ouvi muitas referências a uma ou outra história poliamorosa de pessoas delas conhecidas. Finalmente conheci algumas pessoas que se identificavam (em teoria ou em prática) com alguma forma de poliamor.
As tais reacções de hostilidade foram as que me fizeram desenterrar o que vem a seguir. Nas comunidades GLBT de língua alemã, a fracção lésbica que recusa o paradigma monogâmico tomaram como designação para esse movimento a palavra "Schlampagne", que é uma mistura bastante feliz de "Campagne" (campanha, no sentido de luta política) e "Schlampe" (vádia, galdéria, pêga). Do mesmo modo que no início dos movimentos feministas e lésbicos a palavra "lésbica" era usada como insulto pelo vulgo, sendo adoptada pelo movimento, reinventada com um novo sentido positivo, houve mulheres que começaram a usar palavras como "vadia" ou "galdéria" para se autodescreverem como mulheres rebeldes em relações não monogâmicas, fora da boa ordem estabelecida, que não se preocupam minimamente com a reprovação de quem usa tais palavras como insulto intencional. Pergunto-me muitas vezes qual vai ser a palavra portuguesa (existente ou por inventar) que vamos inevitavelmente descobrir para descrever a mesma identidade.
A "Schlampagne" bate-se pela colocação ao mesmo nível de consideração (material e social) de todos os modos de vida, em contrário ao acumular de privilégios (materiais e sociais) de certas formas de relação aprovadas socialmente (estamos a falar de casamento em sentido lato, em todas as suas variantes gay-hetero-religioso-civil-etc). As mulheres dinamisadoras deste projecto têem organisado encontros regulares. Na ordem dos trabalhos destes encontros encontra se a elaboração de estratégias concretas para atingir esse fim. Mas estes encontros têem servido também para três outros objectivos muito importantes. O primeiro é a autoajuda (criação de redes de contactos, encontros, troca de esperiências, descoberta de identidade), o segundo a divulgação (quer dentro das várias comunidades lésbicas quer para a comunidade em geral) e o terceiro a influência política através de colaboração e negociação com organisações de solidariedade.
A modo de conclusão, gostava de acrescentar que não aprecio cega e necessariamente tudo o que se faz "lá fora" a nível de activismo ou auto identificação GLBT. A nossa comunidade é pequena, e por ter pouca gente activa, desenvolve-se mais devagar do que as comunidades "lá fora", é um facto. Mas há muitas vezes a tentação de tomar o estado das coisas (ou pelo menos a face mais visível desse estado de coisas) "lá fora" como a bitola do que as coisas devem ser ou passar a ser nas comunidades GLBT portuguesas. Penso que precisamente por não termos o mesmo ritmo de acontecimentos que "lá fora" temos a oportunidade de evitar repetir os erros de outros e de encontrar uma identidade própria. Isto para explicar que fui buscar este exemplo alemão simplesmente porque o tema me diz pessoalmente muito respeito, porque ilustra os conceitos que tenho estado a tentar explicar, porque é uma faceta do movimento GLBT de "lá fora" que, curiosamente, é pouco conhecido cá, e porque tem muito potencial em termos de discussões instrutivas.
Em Portugal, não sei se queremos ou se alguma vez poderemos atingir tal dimensão e nível de organisação. Esbarramos com os habituais argumentos da massa crítica e a falta de tradição associativa portuguesa. Mas parece haver motivos para se dizer que há bastantes mulheres/lésbicas que vivem ou contemplam viver "de modo contrário á ordem estabelecida". Resta saber se essas mulheres têem interesse em criar as tais redes de contacto e ajuda.
Fontes:
[1] www.graswurzel.net/243/schlampagne.shtml
[2] www.wikipedia.org (poliamor/polyamory)
[3] "Breaking the barriers to desire", K. Lano and C. Parry (ed.).Five Leaves Publications
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Extracto modificado de artigo publicado na Zona Livre.
Entreguei no último número da zona livre a tradução de um artigo pessoal e descritivo (da minha amiga e cúmplice de conspiração G. Altenhoeffer) sobre poliamor, esperando começar a discussão sobre o tema. Por algumas respostas que tive (obrigada!) senti-me na necessidade de explicar alguns pontos. Não quis apresentar definições ou grandes dissertações sobre o poliamor, não-mogamia responsável, relações abertas, aneis, redes, triângulos, etc. etc. etc.. Basta apresentar o poliamor como qualquer relação que se afasta conscientemente do modelo monogâmico, e já temos material que baste. Não quis fazer uma apologia do poliamor como um modo de vida que todas devamos abraçar imediatamente e sem excepção. Cada uma sabe de si e o amor (em todas as suas formas) sabe de todas. Quis sim, como disse, em primeiro lugar, lançar a discussão. Em segundo lugar, quis mostrar que há ainda mais diversidade do que se vê em primeira aproximação, mostrar que há outros modos de vida a acontecer mesmo ao nosso lado, e que pedem e merecem visibilidade e respeito. Por fim, quis mostrar ás que, mergulhadas numa sociedade que força o paradigma monogâmico, e vivem ou contemplam viver em poliamor, que não estão tão isoladas como isso: "Nós andamos aí".
As reacções que tenho tido têem sido semelhantes em quantidade e qualidade a reacções ouvidas nos últimos anos noutros ambientes, noutros contextos. Vejo isto como animador, pois parece indicar que diferentes ambientes sociais não influenciam a predominância de um certo tipo de reacção. Estamos pois a falar de um tema que é essencialmente humano e pessoal e que não é influenciado por modas, idade, culturas ou educação. Tive reacções de grande hostilidade (a raiar o insulto), outras de grande cepticismo ("esse modo de vida é sustentável?"). Tive outras de tolerância em que pessoas que não se imaginavam fora do modelo monogâmico aceitavam que isso pudesse ser válido e respeitável para outrem. Dentro deste grupo ouvi muitas referências a uma ou outra história poliamorosa de pessoas delas conhecidas. Finalmente conheci algumas pessoas que se identificavam (em teoria ou em prática) com alguma forma de poliamor.
As tais reacções de hostilidade foram as que me fizeram desenterrar o que vem a seguir. Nas comunidades GLBT de língua alemã, a fracção lésbica que recusa o paradigma monogâmico tomaram como designação para esse movimento a palavra "Schlampagne", que é uma mistura bastante feliz de "Campagne" (campanha, no sentido de luta política) e "Schlampe" (vádia, galdéria, pêga). Do mesmo modo que no início dos movimentos feministas e lésbicos a palavra "lésbica" era usada como insulto pelo vulgo, sendo adoptada pelo movimento, reinventada com um novo sentido positivo, houve mulheres que começaram a usar palavras como "vadia" ou "galdéria" para se autodescreverem como mulheres rebeldes em relações não monogâmicas, fora da boa ordem estabelecida, que não se preocupam minimamente com a reprovação de quem usa tais palavras como insulto intencional. Pergunto-me muitas vezes qual vai ser a palavra portuguesa (existente ou por inventar) que vamos inevitavelmente descobrir para descrever a mesma identidade.
A "Schlampagne" bate-se pela colocação ao mesmo nível de consideração (material e social) de todos os modos de vida, em contrário ao acumular de privilégios (materiais e sociais) de certas formas de relação aprovadas socialmente (estamos a falar de casamento em sentido lato, em todas as suas variantes gay-hetero-religioso-civil-etc). As mulheres dinamisadoras deste projecto têem organisado encontros regulares. Na ordem dos trabalhos destes encontros encontra se a elaboração de estratégias concretas para atingir esse fim. Mas estes encontros têem servido também para três outros objectivos muito importantes. O primeiro é a autoajuda (criação de redes de contactos, encontros, troca de esperiências, descoberta de identidade), o segundo a divulgação (quer dentro das várias comunidades lésbicas quer para a comunidade em geral) e o terceiro a influência política através de colaboração e negociação com organisações de solidariedade.
A modo de conclusão, gostava de acrescentar que não aprecio cega e necessariamente tudo o que se faz "lá fora" a nível de activismo ou auto identificação GLBT. A nossa comunidade é pequena, e por ter pouca gente activa, desenvolve-se mais devagar do que as comunidades "lá fora", é um facto. Mas há muitas vezes a tentação de tomar o estado das coisas (ou pelo menos a face mais visível desse estado de coisas) "lá fora" como a bitola do que as coisas devem ser ou passar a ser nas comunidades GLBT portuguesas. Penso que precisamente por não termos o mesmo ritmo de acontecimentos que "lá fora" temos a oportunidade de evitar repetir os erros de outros e de encontrar uma identidade própria. Isto para explicar que fui buscar este exemplo alemão simplesmente porque o tema me diz pessoalmente muito respeito, porque ilustra os conceitos que tenho estado a tentar explicar, porque é uma faceta do movimento GLBT de "lá fora" que, curiosamente, é pouco conhecido cá, e porque tem muito potencial em termos de discussões instrutivas.
Em Portugal, não sei se queremos ou se alguma vez poderemos atingir tal dimensão e nível de organisação. Esbarramos com os habituais argumentos da massa crítica e a falta de tradição associativa portuguesa. Mas parece haver motivos para se dizer que há bastantes mulheres/lésbicas que vivem ou contemplam viver "de modo contrário á ordem estabelecida". Resta saber se essas mulheres têem interesse em criar as tais redes de contacto e ajuda.
Fontes:
[1] www.graswurzel.net/243/schlampagne.shtml
[2] www.wikipedia.org (poliamor/polyamory)
[3] "Breaking the barriers to desire", K. Lano and C. Parry (ed.).Five Leaves Publications
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Olá. E quando ocorrem essas reuniões e onde? Abraços, U.
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